sábado, 8 de março de 2008

A perda e o álcool

O sentimento de perda começa com uma premonição, semelhante a um calafrio daqueles que percorre o corpo sem razão aparente. Mas é uma sensação momentânea e não lhe damos a devida atenção.

Depois vem o mal-estar antecipado e inexplicável. Olham para nós e perguntam: "O que foi?"

"Não sei" é a invariável resposta. Mas o subconsciente já sabe, sim. Apenas não faz nenhum alarde até que seja o momento certo.

E finalmente... o raio. A descarga elétrica que atinge o alvo com precisão, e cuja capacidade destrutiva é devastadora. Não é preciso nem perguntar. Não é preciso averiguar. Sabemos que foi assim. O inevitável tem que acontecer. A única dúvida era a respeito de quando seria.

O que sobrou? Ruínas. E Dúvidas.

"Quanto tempo vai levar até limpar esta bagunça? Poderemos construir novamente nesse terreno? A estrutura ainda pode ser utilizada? O solo já não está muito castigado?"

Mas antes de tudo temos de limpar a área. Retirar os vestígios do que existia antes. Tragam a equipe de limpeza.

E ela vem. Vai lavando o entulho aos poucos. As primeiras doses do trabalho servem para aliviar o peso que desabou sobre os ombros. As próximas começam a misturar as sensações e as lembranças. Está fugindo da realidade.

Mas pelo menos nesse momento, pode fazer isso. Ninguém vai julgá-lo por isso.

E as doses se multiplicam... Junto com elas, também vão descendo pela goela as dores, a tristeza e o arrependimento. Vai subindo a sede de auto-flagelação. Mas também vem um alerta disparado por alguém lá no fundo.

"Por hoje já foi o suficiente. Os escombros maiores, resultantes do impacto inicial, já foram removidos. O perigo de um acidente mais grave já passou. O restante será recolhido com o tempo. Pode dispensar a equipe de limpeza."

"Mas a presença dela é reconfortante. Eu não quero parar agora. Deixe-a ficar um pouco mais aqui comigo."

"Não é aconselhável. Ainda há muito o que fazer agora."

"Você não disse que por hoje já foi o suficiente? O que mais preciso fazer, a não ser ficar aqui e esquecer?"

"Ainda é preciso recolher os seus restos, coloca-los no carro e leva-los para casa. Ninguém fará isso por você, lembra-se? Está sozinho, como sempre. Deve cuidar de si mesmo."

Silêncio.

Sim, é verdade. Como antes, é preciso fazer o caminho de volta no escuro, sem ajuda de uma lanterna.

"Caminhar no escuro... Guiar no escuro... O que nos aguarda durante o percurso? Espíritos? Fantasmas? Buracos na pista? Caminhões parados?"

Para descobrir, só seguindo em frente.

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